V

Eis a minha pálida membrana. Meu finito fazer-me. Eis a parte onde no meu corpo moram os homúnculos que guardam meu verbo. Porque no resto, há minha vontade de viver. Meu verbo é o que toca o imortal, e por isso, também a morte. A morte é a pura coisidade, o antes que a lâmina descesse cindindo os corpos, quando o abismo e sua vertigem eram um mesmo animal. E por isso minhas mãos tremem. Com elas opero, destrincho ervas e carne, escrevo meu nome. Com as mãos - pendentes nos lados do corpo, âncoras quando se não sabe o que delas, remos, patas, continuidade da voz minguada no branco - terminação de um longo  declive do dizer. 
Mas antes - desenhando todo o tempo, eu mergulhava no silêncio uterino que deve ter a morte. Ou - a coincidência entre ser e agir me sustinha no vão inefável. Eu era o processo que desempenhava, minhas mãos eram definitivamente um caminho. Os caminhos, se me lembro: era dentro de mim que aquelas árvores escondiam suas longas raízes. Eu lhes sabia porque éramos caminho um no outro. O pequeno limoeiro que vi nascer de um galho que arrastava pelas ruas como a um arado, afofando a negridão do asfalto, numa tarde tristinha de domingo. Depois, meu avô içou na terra o que veio a ser um frequentado limoeiro-taiti. Com as mãos, num gesto que parecia ter esperado por séculos. O limoeiro vive, caminho nascido das tuas mãos.

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