ariadne

girandolava. amava a cor que fazia no de tarde. seus olhos perdiam o pra lá fazendo a curva. o sol. todo aquele amarelho afundando no colo do longe. tudo. ariadne, outrora tão pequena coisa, agora um perfume que não sai da manga de flanela, um nada dos olhos dela nos olhos dele desligados no infinito. as mãos fechadas tentavam condensar a vertigem, apertadas até sangrar. desaparecer como espuma no avesso do mundo, como podia essa coisa? aqueles jequitibás cheios de musgo e silêncio, ariadne engalfinhada nas raízes cheirando um livro: um intervalo entre o vazio. aquele homem dormindo na rua outro dia usava as meias da namorada morta, deformadas nos seus pés. falando sozinho nos mercados, trabalhando como podia, fazendo pesquisas de interesse para uma empresa de sabonetes. morrendo todos os dias, se transformando sempre em outra coisa. um ódio do mundo. palavras duras. da última vez que o viu, seus olhos haviam quase desaparecido por trás da crosta de pele. não existe luto senão o de nós próprios. nós, que ficamos. e vemos todos os dias as mesmas coisas, minguando como elas, cheios de lembranças e sentimentos sem nome. presos na finitude de cores e palavras, aguardando o arremate final nas incertezas que alicerçam todo recuo. por hora, deixava-se escorrer atravéz das fendas dos olhos, em forma de rio, quente ainda, mas refrescando depois, por que até o calor acaba. a cabeça ficava tonta com seus rodopios, e era bom perder o centro, cair, recomeçar. os pés sobre a terra eram tudo que ele tinha.

são carlos, março de 2012.

porque dentro de mim há um deserto...


porque dentro de mim
há um deserto e de areia um tanto
me subisse aos olhos

te premi nas minhas
pálpebras e

no charco do pranto
que
cai
como
uma
chuva sem vontade
sobre o sono

abriguei a tua sede
em silêncio

teu nome de mulher
como um
crisântemo crispado
entre meus dentes

crivou no azul futuro
o níveo dorso como
cativa

a lua

brincava nos braços
do mar

teologia

o panteísmo doce do menino:

- eu bebe. eu come. eu brinca.

apareceu num dia quente.
no mesmo dia viu sarinha nuazinha.

aniversário do divórcio
entre ver e coisa vista.

equívoco implume

I

nunca fui humano


meu torso é o andor de um erro
em que o verbo faz
da carne
jazigo
nascente
espelho


II

abrigo meu nome no tempo


atravesso um corredor entre dois leitos
e neste veio ruidoso de cal
emudeço


III

tenho todas as palavras nos punhos


e arrebento as linhas das palmas
puxando
cavalos
de vento

tema e prejuízo

na carne do meu duplo
minha dor

nos olhos da pantera
minha lágrima

nas mãos de meu amor
meus tremores

nas de meus credores
minha náusea

sim, doutor. obrigado.

o médico falou que vou morrer de bebida. eu olhei nos olhos dele e disse doutor eu já fui abstêmio eu sei você quando fecha o dia abre uma garrafa de gim e esquece das histórias desses milhares de pobres coitados que você extorque. porque você não sabe as respostas pelas quais cobra. eu já fui santo, doutor, funcionário público casado. já tive viço firmeza honradez. tudo isso abstêmio. só que meu corpo achou um modo de me punir por isso, claro. em contrapartida da minha auréola picareta, me atacou um refluxo uma dor no bucho uma saliva amargosa. comecei a ficar doente doutor, e morria disso não fosse - palavra - o copo. não fosse o álcool eu nem vivo mais tava. liberdade é administrar a própria morte. não, eu não disse isso. só disse sim doutor. obrigado. sim doutor, obrigado. .......................sim....................................................................................................................................................................................doutor............................................................................................................................................................................................................................obrigado....................................................................................................... ele escreve a receita. esguicha álcool num paninho e esfrega nas mãos rapidamente. depois sai do consultório. tenho certeza que vai cheirar farinha. saio meus olhos queimam como num deserto. encontro alguma ordem oculta na posição do prédios da avenida prestes maia. a cidade é mesmo um tipo de animal. um animal sem forma, crescendo pra todos as direções, gemendo ferro retorcido e pedra e vômito. e as caixas de supermercado todas ali com as famílias e os seguranças e os vizinhos das famílias das caixas de supermercado. o bicho vivendo do dejeto e da fina arquitetura desses homenzinhos que correm como galinhas dos carros. se eu morrer de alguma coisa, doutor, vai ser de viver nesta cidade.

e vice-versa

a velhice
é a última etapa
da infância

fuga de areia

abandonando as linhas
                  do rosto no branco
                  arenoso e movente
         já sem  olhos toda
garganta artéria trespassada
                      por um grito
                            de trigo
                                     e entrega

tanto segredo sangrando
   na concha das orelhas
             relva luz saliva
                                sal as órbitas
                       comidas pelo verme do tempo
                         o mensageiro do vento
                                        ela

                                  prendeu entre
                               as pernas antes
que escapássaro todo ainda
imerso no cheiro
                       seus cabelos
                       na boca que gemia um riso mole
                                              um nome um
                                                teorema

o prisma do silêncio decompõe o hiato em partículas de canto
                           e como um animal que pressentisse amor
                                                   te e escolhesse o leito

o coração no escuro esquece
               e desabita o peito

são carlos, novembro de 2011.

hilda dizendo bom dia

                                                                                                  "Tu sabes que serram cavalos vivos
                                                                                                                        para que fiquem macias
                                                                                                                              as sacolas dos ricos?

Já sei que tá cheio de gente sofrendo, velhos, crianças, mulheres, nordestinos, favelados, mas é preciso também fazer alguma coisa urgente e batalhar contra a crueldade em relação aos animais. Há algum tempo ouvi dizer que serravam cavalos vivos por que a dor fazia com que o couro ficasse macio... Fui vomitar ventando no meu pinico de barro."

(a hilda de novo. poetacronista. fazendo meu chá mate ficar com gosto de cachaça)

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