O poeta não está

o poeta não está
saiu não sei ao certo
se para que ao procurarem por ele
ele estivesse em não estar
ou se foi de sacangem mesmo

todas as tardes ele sai
mesmo que fique na cama
e vai desafiar os grilos
para um duelo de assobios

estes costumes, a sra sabe
não são muito fáceis de se livrar
o poeta nasce poeta
enquanto o mundo o despoetiza

mas quando o poeta nasce sapo
safo das coisas de cantar
o mundo é que se arvoresce em canto
e o canto, a sra sabe
é a artéria da sabedoria

mas sente-se aí logo ao largo
da coleção de bitucas amassadas
guenta que o poeta só vai longe
porque nunca sai de casa

III


Me lembro: a luz lanosa de uma tarde vinha lhe cobrir o colo de nectarinas. Você pensava - nunca soube o que você pensava. Quando estava só parecia mais um aquário - onde o que vemos é o movimento aleatório das partículas, a superfície sensível do pensamento. E que não se ouse duvidar da ordem geométrica secreta que operava aquela máquina serena, comtemplando as formas de um besouro. Cuspia o fio de linha que lhe sobrara nos beiços enquanto cozia - pela terceira vez - uma velha calça minha. As coisas amarelas tinham seu modo de ser. E você distribuía amarelisse às crianças dos vizinhos, aos gatos que vinham pedir leite e carne moída, às chuvas sem prenúncio, aos dentes de leão.

a morte do sujeito

um sujeito entra no bar
a camisa manchada de sangue
rasgada
a pele do rosto duro
barrenta

pede um fogo-paulista
e um cigarro solto

- tiro de mulher não mata.

tomou de um gole só
bateu com força o copo
e morreu ali mesmo

no meio das putas que reclamavam da baixa freguesia
em cima do caderno esportivo
e de bitucas de cigarros fumados demais

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