IV


Desenredar um colar de contas como encantasse as horas da insônia. Pesado, meu corpo rola no escuro do quarto, que se funde ao escuro do deus pelo fio delgado da seiva do tempo. No fundo fico repetindo o começo de um romance que nunca terminei, procurando em mim mesmo a invenção que já se deflagrou, e que me compõe como a água e o silício. E por ter me trazido até aqui, esta idéia difusa que me orienta, é também um limite, um orla rasa onde meus pés começam já a pisar o solo poroso e quente que me obriga um corpo denso, que por sua vez me obriga sentidos afeitos à suspeita ordem geométrica, que me obriga ainda,  a distração dos peixes, a gana dos gatos.
Então me elevo, mamífero superior, mandíbulas aptas ao canto - não há verdade fora do canto - carregando nas mãos a lira e o astrolábio. E quanto mais distante me precipito, mais os meus contornos rarefazem, me tornando idêntico ao que já era no princípio. Mas neste ponto você já adormeceu, e a noite nos separa em dois reinos - a pura exterioridade dos objetos inertes, a interioridade eloquente metafísica dos tolos.

outras postagens

.
Licença Creative Commons

Arquivo do blog