luz do tango [astor piazzola e geraldo carneiro]



o cravo a crise o crime
nas barbas da polícia a malícia
a miss a missa o dia dos mortos
o luxo o lustre a luz negra
do Hotel da lua a lua nua
e crua
o carnaval a corda
o coelho na cartola o cuba libre
o gosto da chacina o sinal a sina
o sangue na anágua
n'água n'água n'água n'água
a lira o franco o marco
a bolsa abriu em baixa
o berço o barco o barão
na corda bamba a muamba
o banquete do mendigo a ruiva
rumba a ruiva rumba
a trama a chama o drama
a desgraça da família o karma
a ilha a trombeta de arcanjo
o apocalipse não é o fim do mundo
o rum o rock o rádio
a cama
o sacramento extremo
o mal de sete pecados
os sete lados do conto do vigário
o terceiro páreo
o trato com o demo
o demo o demo
a fome a forca o frio
a falência do cinema
o poder a pena
o cheiro da morena
a viúva a uva as estrelas do passado
a farsa o furto o foxe o fado
canto secreto o cego
cantava na viola o sequestro
o sestro o bolero na vitrola
o terceiro mundo no fundo
quer é reco reco a porta o pau
o prego
o fogo o jogo o giro
o rastro do vampiro o traço
o tiro o programa de auditório
o circo a sanha
o sal não fica sem troco
o cravo a crise o crime
a desgraça da família o luxo o lustre
a luz do dia dos mortos
o peixe a porta
o pau não fica sem troco
o troco
a fome o fogo o frio
o banquete do mendigo
a muamba o mambo
nas barbas da polícia
a marca a mãe o mal
não fica sem troco

glândula

de contar jabuticabas ficou os dedos rubros, dava um nome cabeludo à sua vulva: Hilé, porque vermelha, inteligível, pura.
- as leis desviam quando ela dança.
eu aceno um suicídio na ponta da luz,
ela me devolve as cortinas pesadas do esquecimento.

ficou uma molécula de Hilé no meu pranto.


grão


"no princípio era o caos..."



esculpir o silêncio num corpo denso de mármore.
encontrar do silêncio a primeira pele.
embeber a pele do silêncio em azeite.
acarinhar com fogo a pele do silêncio.
envolvê-lo num arco de zinco e alumínio.
do silêncio ver emergir a necessidade do pandeiro.
pleno, fluente na língua dos primeiros santos, couro teso e grávido de estrondo.
do casamento dos sons a dança ver-se erguer em barro.
talhadas pelo tempo as bailarinas incorpóreas desenham no céu o trajeto dos planetas
ponteiros de um relógio epiléptico.
presença luscopaca semilágrima do caos secretada o samba é a silhueta silibina recortada contra o fundo de um murmúrio indiferenciado.
passam os carros, estilhaçam-se os copos, riem as damas, os rapazes;
o samba
navalha cujo fio tece um bordão, um trinado,
uma mortalha, surge contra a fuligem burocrática da cidade e macula de esperma e sangue
os relatórios de caixa ao senhor
diretor.
- amor e ódio coabitam a boca da noite. é sábado.
a síncope do samba reverbera no concreto armado.

de barriga para cima, um cão sonha um mundo de comida.

outras postagens

.
Licença Creative Commons

Arquivo do blog